Em março de 2020, começou neste espaço singela homenagem mensal ao saudoso Sérgio Ribeiro (foto), pelos 15 anos de seu falecimento. Nascido em São José do Rio Pardo em 1929, foi radialista, policial civil, advogado, professor, jornalista esportivo e político, dentre outras atividades. Não há livro acerca deste ilustre rio-pardense, mas sua biografia poderia inspirar muitas obras.

Adequando aos assuntos atuais, a seguir mais uma crônica com os personagens criados pelo ícone Sérgio Ribeiro: o "Conselheiro Carmichael" e a provocante (e inominada) "garota dos olhos amendoados"...

Torcida amiga, carinhosamente bom dia!

 Aqui quem escreve é o "Conselheiro Carmichael". Felizmente chegou o primeiro sábado de abril para o esperado encontro com minha linda "garota dos olhos amendoados". Infelizmente não é possível o contato pessoal na costumeira mesa dos fundos do barzinho no centro da cidade: faz um ano que estamos enfrentando a histórica pandemia e obedecendo rigorosamente as exigências de distanciamento. Então, por meio de chamada de vídeo do aplicativo WhatsApp vejo-a toda bela, mesmo com o rosto sem maquiagem: está na varanda de sua residência, trajando um belo vestido longo com estampas de outono, sandálias de tiras e os cabelos com meia trança lateral. E aí vieram as esportivas...

O futebol profissional quase parou de vez, outras modalidades idem. O amador e varzeano, bem como as "peladas" semanais, não acontecem há meses. Este "Conselheiro Carmichael" tem mantido bom isolamento social, mas quando circula com seu veículo com vidros encobertos por sacos de lixo preto (assim diz um baluarte advogado desta urbe em função do insulfilme) próximo da Avenida Euclides da Cunha vê o charmoso estádio do Vasco FC todo deserto, em que pese o gramado segue um tapete. E a nova onda desta praga chinesa parece que chegou mais forte, com receio que até insumos hospitalares comecem a faltar.   

Domingo passado, dia 28, uma cena curiosa chamou atenção durante a partida entre Nacional 2x1 Deportivo Maldonado pela primeira divisão do Campeonato Uruguaio. Numa cobrança de falta, na barreira dois atacantes do Nacional desceram os calções e ficaram com as cuecas às mostras para distrair o goleiro adversário. O arqueiro não se segurou e caiu na risada, mas se manteve atento ao lance e não tomou o gol. Com dizia um saudoso apresentador do campeoníssimo de audiência "Plantão de Polícia" da antiga Difusora AM: "isto é a baba do quiabo!".

Fatos pitorescos do futebol também acontecem no Brasil. No último dia 21, a partida entra Náutico e Vera Cruz pelo Campeonato Pernambucano foi paralisada por um motivo inusitado: um quero-quero colocou um ovo dentro do gramado do estádio dos Aflitos, no Recife. O árbitro parou o jogo e retirou o ovo colocando-o fora das quatro linhas. Vejo na chamada de vídeo que minha musa sorri, quando então expliquei pausadamente: o quero-quero é muito comum nos gramados brasileiros e ele não faz ninho. A ave deposita o ovo no chão e senta em cima para incubá-lo. Num campo de futebol é difícil por conta da correria dos atletas. E cada fêmea tem o hábito de colocar de três a quatro ovos, durando a incubação por 27 dias. 

Mesmo distantes, mantemos a tradição neste encontro mensal: petiscamos, graças ao motoboy que avisa longe que está chegando com o barulho ensurdecedor de sua motocicleta. Entregou em minha residência e minutos depois encomenda já estava na casa de minha linda "garota dos olhos amendoados": bolinhos de bacalhau, com geladas Heineken me acompanhando e um saboroso suco de uva integral para minha musa.  

Ainda ecoando os 156 anos de fundação de São José do Rio Pardo lembrados no último dia 19, mas que oficialmente se dá em 4 de abril, as transformações são inacreditáveis na cidade. Recordo da igreja tocando o sino da tarde, chamando para a missa enquanto o sol ia se escondendo. Nas quermesses o correio elegante era a diversão, com a paquera rolando solta. Um fato triste foi o falecimento do padre Adauto Vitali, quando o comércio fechou as portas e a igreja ficou lotada para acompanhar o enterro. Hoje, com a Covid-19, o comércio está praticamente fechado. Quem diria que nossa cidade teve até mobilização de funcionários insatisfeitos com a abertura do comércio nas tardes de sábado: na época, foram para as ruas protestar com cartazes e por algum tempo deu certo a manifestação com o comércio fechado. Em clima de saudosismo, este "Conselheiro Carmichael" lembra do Mercado Municipal que vivia lotado, com suas bancas de verduras e onde a fofoca corria solta. Na época do carnaval, eram só marchinhas e sem brigas na praça da Matriz e os homens com trajes femininos jogavam futebol no Vasco. Os caiapós eram outra tradição: se apresentavam com suas roupas de palha e a pele pintada de anil. Tudo isto, e mais um pouco, é só saudade. Será que teremos também saudades da nossa liberdade de ir e vir? Tomara que este coronavírus pare logo de atormentar nosso cotidiano.

E pontofinalizando, despeço-me de minha linda "garota dos olhos amendoados" com palavras de carinho e surpreendo-a com um presente: pelo famoso "zap" lhe mostro seu delicioso ovo de chocolate ao leite, recheado com doce de leite argentino Havanna, para modestamente comemorar a Páscoa. Aviso que em poucos minutos acionarei um motoboy para entregar a encomenda na sua moradia. Infelizmente ainda distantes, despeço-me da minha musa, sem o esperado beijo no rosto. Agendamos novo compromisso, se o nosso Grande Arquiteto do Universo assim nos permitir, para o primeiro sábado do próximo maio, feriado e dia que historicamente fazíamos piquenique. Hoje, nem de casa devemos sair. E quiçá este próximo encontro seja pessoalmente, olhos nos olhos!  

A vida de Sérgio Ribeiro foi muito ativa na cidade, sendo padrinho de dezenas de rio-pardenses: na foto de 1986 na Igreja Matriz de São José do Rio Pardo, o bispo Dom Tomás Vaquero crisma Iran Calixto Abrão (radicado em Poços de Caldas, hoje com 47 anos e há 13 anos é pró-reitor do campus da PUC Minas)

Atentar para a arquibancada: lotada. Assim era o estádio Moacyr de Ávila Ribeiro, na Associação Atlética Riopardense (AAR) aos domingos durante o Torneio de Futebol e Concurso de Miss idealizado por Sérgio Ribeiro. A foto é de 1979 do time da Santa Maria do Rio Pardo ("Roça Grande"): Eduardo, Valdir Garcia, João Azarias, Mário, José Baptistella, os quatro irmãos �?zio, Zezinho, Zezinho e �?lcio, Onofre Garcia (Norfão) e Sérgio Ribeiro. Agachados, também da esquerda para a direita: Moacir, Mário Azarias, Marquinhos, José Corsini Capeta, Jorge, Carlinhos, Leandro e mascote não identificado