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24/Abr/2021 - 21:48:37
Tudo o que é sólido desmancha no ar
RedaçãoGABRIELA AMARO DE FARIA
Dentre muitas reportagens na mídia, me deparei com uma no mínimo muito curiosa: um religioso famoso afirmava que os tempos de pandemia não mudariam a índole do ser humano, perdida há muito tempo no fundo do poço.
As experiências da modernidade trazem transformações: o cenário atual, finalmente força o homem enfrentar a si mesmo. Há inúmeras afirmações de serem o final dos tempos... talvez porque o espírito instintivo, depois de procurar inúmeras direções, obriga-se a voltar a si e cada um carrega na alma o próprio caos.
E quem diria que Marx e Engels, mais de 150 anos depois da publicação do Manifesto Comunista se fariam mais atuais do que nunca: " Todas as relações ficam congeladas. Nossas relações ficam obsoletas antes de se solidificarem (...) tudo o que é sólido desmancha no ar. Tudo o que é sagrado é profanado."
Em um momento que demanda amor, empatia e compaixão, almas narcisistas, depressivas e solitárias entram em choque e colidem no paradoxo de crise e renovação. Em afirmação a todo esse contexto, o mesmo religioso, curiosamente, escreve em tom poético: "O que tenho é a vida, este tempo verbal enfadonhamente conjugado pelo meu corpo, fadado ao estreitamento que me leva a deixar de ser. O que tenho é o doído da solidão. Saber-se aprisionada em mim. Ninguém a notar o que no interior do coração se passa. O pensamento sem um espaço para a partilha. O todo da angústia no estreito do peito. A lágrima que ninguém vê, o grito que ninguém escuta, a dor que ninguém percebe. Passado e presente. ? com eles que preciso me ajeitar. O futuro que me espera será tão breve quanto o respiro que agora realizo."
Indivíduos aturdidos, alheios aos acontecimentos, não são capazes de serem atraídos por nada; nada lhes toca o coração, embora muitas coisas sejam capazes de lhes causar perturbação. A atual realidade faz com que cada um perca a si mesmo e esqueça seu lugar.
As almas em cárcere privado sofrem metamorfose.
Sem nenhum julgamento, todos estão no mesmo contexto, partilham das mesmas angústias, estão sob a mesma espada de Dâmocles, entretanto, a solidão da alma do homem moderno o impede de compartilhar a vida e ser solidário com o próximo.
Para concluir, cabe a tese do antropólogo e cientista social Erving Goffman: se apropriar do processo pelo qual se atribui sentido ao contexto vivido, para compreender e orientar as ações cotidianas em meio ao turbilhão da atualidade. A esperança é o último e mais primitivo recurso.