São José do Rio Pardo, ,

07/Ago/2021 - 22:08:12

Carta-aberta a minha mãe

In memoriam de Maria de Lourdes Baldo Gorno e todos os 550 mil mortos pela COVID-19

Redação

MARIA ISABEL BALDO GORNO




MARIA ISABEL BALDO GORNO

?quela, que mesmo desconhecendo as teorias e os termos técnicos, na sua simplicidade cotidiana, me ensinou a importância do luto enquanto verbo, enquanto componente intrínseco à vida da classe social a qual pertenço.

Mãe, é inevitável conter as lágrimas. Elas escorrem sob o meu rosto diariamente ao lembrar-me de você, ao falar de você, ao falar com você. Agora, não é diferente. A saudade e a dor consomem a mim e a 550 mil famílias desse país, que de norte a sul, foram dilaceradas com a irresponsabilidade de um governo genocida, fascista e medíocre ?? aquele governo que você assistia na televisão e, na grandiosidade da sua sabedoria popular, se indignava e se revoltava sem nunca sequer ter compreendido a profundidade do problema político que enfrentamos nesse país, após as eleições que levaram ao poder Jair Bolsonaro.

Lembro-me que em todos os meus projetos juvenis, de uma adolescente sonhadora, que almejava mudar o mundo e já compreendia que o conceito de política ultrapassa os muros partidários, lá estava você, na sua simplicidade e obstinação, tomando para si o que era meu e forcejando caminhos para que meus passos pudessem ser menos tortuosos e mais palpáveis. Lembro-me que, desde tenra idade, lá estava eu, recebendo capital cultural afetivo apreendido por você sabe-se lá de onde, me impulsionando à prerrogativa da educação como caminho para uma vida mais digna - e a educação crítica, em especial, como fundamento para a compreensão do mundo tal como ele é.

Não é de hoje, portanto, que para mim, a conexão existente entre amor e política é tão premente. Não é possível dissociar a análise crítica da realidade - e a compreensão da política enquanto ferramenta para uma sociedade mais justa - dos meus amores e desejos pessoais para o futuro. ? neste interim, de uma perspectiva de universalidade da justiça social como prerrogativa para um mundo melhor, que se encontram os meus sonhos pessoais e as minhas relações interpessoais. ? pensando em política que eu pensava num atendimento de saúde mental que fosse efetivo para você. ? pensando em política que eu conectava você e o meu desejo de que tivesse uma vida com qualidade para um envelhecer ativo, participativo, digno e saudável. ? na política que eu centrava meus esforços para forcejar com que o princípio da equidade fosse cerne para a materialização da sociabilidade e da preposição de políticas públicas e sociais nesta sociedade.

Foi pensando em você e na política - enquanto ferramenta necessária para uma sociedade mais justa e digna para todos - que eu trilhei meus caminhos acadêmicos e profissionais. Foi pensando nisso que eu sempre me posicionei para um horizonte ideológico partidário que se alinha à esquerda, pela defesa de ideias que preconizam a igualdade social como caminho para uma sociedade justa, participativa, democrática, livre, em oposição às ideias de meritocracia e exploração do outro.

Foi pensando nisso que, nós duas - porque você, na sua miudeza de um vocabulário pouco rebuscado, na sua simplicidade do conhecimento popular que reconhecia e difundia a defesa por Estados mais justos - que votamos em oposição a Jair Bolsonaro.

Infelizmente, fomos voto vencido. E essa perda foi mais do que simplesmente em percentual de votos nas urnas das eleições presidenciais de 2018. A partir daí vimos ruir diversos avanços angariados pela luta democrática.  Vimos o desrespeito e a chacina protagonizada pelo presidente em uma pandemia global, que ceifou, por irresponsabilidade governamental - e política - a vida de 550 mil brasileiros, que assim como você, deixaram família, filhos, netos, companheiros e companheiras, enfim, amores. Daí, ademais, a interlocução, mais uma vez, entre e política e amor.

Me entristece e, mais ainda, me causa revolta a constatação de que, não fosse por esse desgoverno, a vacina teria chegado a você no tempo certo - tempo exequível que impedisse que você fosse levada de mim de maneira tão fugaz, precoce e atípica. Você tinha muitos anos de vida pela frente, e eu queria poder vive-los com você. Não fosse por Jair Bolsonaro, não fosse por essa política genocida, eu teria você.

De cá, o luto me faz compreender, ainda mais, a premência do trabalho de base. Com a saudade e a certeza de que, de onde estiver, você ainda se orgulha de quem eu me tornei - contributo seu. Em homenagem a você e a todas as vítimas dessa matança programada por Bolsonaro. Seguimos na (no) luta (o). Por vocês.

Eu te amo, mãe!!


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