São José do Rio Pardo, ,

21/Ago/2021 - 21:39:27

Um capítulo manchado da História Brasileira

Redação

MURIEL DE OLIVEIRA MORGANTE




No último texto publicado por mim neste jornal fiz uma indicação de leitura do livro "Ainda estou aqui", de Marcelo Rubens Paiva em que o mesmo fala sobre a morte de seu pai durante a ditadura militar e como esse acontecimento afetou a vida de sua família. A fim de explanar um pouco melhor sobre esse complexo contexto histórico e político e, utilizando-me de novos autores, buscarei agora aqui dissertar brevemente sobre a violência e as dissenções do regime militar no Brasil.

Luiz Roberto Salinas Fortes em seu livro "Retrato Calado" relata de forma reflexiva sobre suas passagens pela prisão e as torturas sofridas nos chamados "anos de chumbo", no início da década de 70.  "Sentia-me novamente gente, coisa que há poucos instantes  não me parecia mais possível", assim sentiu-se o autor de quem vos falo, após passar longas horas pendurado no pau de arara.  A narrativa subjetiva do renomado professor de Filosofia busca, não apenas contar sua experiência, mas ainda analisá-la, voltando às impressões sentidas naqueles dias em que chegara aos extremos da  vulnerabilidade e a total perda de dignidade. 

Salinas acredita que pagou um preço alto demais por sua ingenuidade ao se envolver, ainda que bem pouco, com política; contudo, não coloca seus algozes como monstros, mas sim como figurantes de um cenário de total desumanização. Sim, a despeito de qualquer ideologia ou posicionamento político, quando pensamos nos porões da ditadura podemos notar que torturadores e torturados estavam, antes de tudo, desumanizados.

Já em meados da década de 70, a morte do jornalista Vladimir Herzog causará comoção nacional, representando um momento importante na luta contra a repressão. Vlado, como era conhecido o jornalista e então recém diretor da TV Cultura, apresentou-se voluntariamente no DOI-CODI de São Paulo para prestar depoimento, sendo ali torturado e morto. A farsa criada sobre a morte de Herzog foi uma mal feita simulação de um suicídio por enforcamento (como igualmente aconteceu com o operário Fiel Filho, meses depois).

Assim, como a mãe de Marcelo, a viúva Clarice, cujo nome se imortalizou na letra do clássico "O bêbado e o equilibrista", lutará por anos na Justiça para que as reais causas da morte de seu marido fossem apuradas e os culpados fossem responsabilizados. Mais uma vez a responsabilização não aconteceu. Digno de nota, porém, são as razões que levaram à morte de Vladimir já que essa está diretamente relacionada às dissenções que haviam naquele momento dentro do regime e das Forças Armadas.

O jornalista fora torturado até a morte pelos militares do II Pelotão do Exército porque queriam obter dele a confissão de que o Secretário da Cultura e o governardor  sabiam de suas ligações com o PCB, o que confirmaria toda a campanha feita contra ele pela extrema direita, de que comunistas estavam se infiltrando nos meios de comunicação. Não era verdade, Vlado sequer se filiara ao Partido por convicção, mas tão somente porque vira nesse uma frente ampla de resistência ao regime.

Geisel, o presidente da época, era a favor de uma abertura política, lenta, gradual e responsável, mas os militares da linha dura do II Pelotão queriam que a ditadura se perpetuasse. O governardor de São Paulo era alinhado ao presidente, e conforme escreveu Rodolfo Konder em matéria publicada na Folha em 1984 "os chacais do Doi-Codi se lançaram sobre ele com zelo redobrado porque ali descobriram um fio que levava ao Secretário de Cultura,  o empresário José Mindlin, ao governador Paulo Egýdio e ao Geisel."

Após a morte de Herzog haverá ainda um longo caminho até a redemocratização, mas a morte de um pacifista como ele despertará sentimentos de indignação na sociedade, levando a um endosamento dos movimentos de resistência, com seu dizer de "Basta de tanta repressão!"

Assim, ao lembramos das violências e arbitrariedades cometidas no período e compreendendo as dissenções existentes tanto dentro da oposição quanto dentro das próprias Forças Armadas, podemos concluir que o pluralismo de ideologias e pensamentos é o melhor caminho para se entender melhor esse capítulo manchado da nossa História  e tirarmos nossas próprias conclusões sobre o valor da democracia, da liberdade e dos direitos fundamentais de cada um.


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