São José do Rio Pardo, ,

04/Set/2021 - 21:32:18

O sonho americano de um ensino superior dissolvido na realidade brasileira

Redação

LETÍCIA KAORI HANADA




Venho de um ensino fundamental público (EE Dr. João Gabriel Ribeiro), para um ensino médio privado (Colégio Unigrau), para uma graduação e mestrado em universidade pública (Unicamp). Tive contato com alunos de todas as classes sociais, das mais baixas às mais altas e teimo em dizer: o ensino público superior não é direcionado aos alunos das classes sociais baixas e não é nada bonito como nos meus sonhos de criança: na minha época, minha referência de faculdade era meu primo viajando mundo a fora com o Ciência sem fronteiras e, logicamente, eu imaginava que era aquilo que eu queria para o meu futuro.

Experienciando o ensino fundamental em escola pública e sendo bolsista no ensino médio em privada, pude notar o gap, gap não, diria abismo, entre os dois tipos de ensino. Se seus pais não possuem dinheiro suficiente para te colocar em uma escola privada, você já começou a vida com o pé esquerdo. Meritocracia é papo de quem tem dinheiro. Enquanto no 3o ano do ensino médio de uma escola privada os alunos já são fluentes (ou pelo menos quase) em duas línguas, na escola pública, os alunos do mesmo ano, estão há sei lá quantos anos estudando o verbo "to be". Sonhei, então, que um mundo mais justo poderia existir talvez na faculdade pública. E quebrei a cara.

Em 2017, comecei meus estudos na Unicamp, famosa universidade de grande nome e com ótimos professores e pesquisadores, isso de fato não é passível de controversa. Já no meu primeiro ano, era notável a diferença entre os ingressantes: a maioria deles ou vieram de escola privada ou de pública, mas passaram pelo menos um ou alguns anos no cursinho. Mas tudo bem, o importante é que chegamos aqui, em uma universidade pública renomada, não é? Agora só é preciso se manter com notas boas e se formar. Simples. Só tem um probleminha: quem tiver notas mais altas será selecionado para bolsas, intercâmbios e sei lá mais quantas outras vantagens.

Enquanto o pobre trabalha, pega duas horas de ônibus e estuda, exausto, no fim do dia, os alunos com uma condição financeira melhor são capazes de se dedicar integral e exclusivamente à faculdade. ? como se existissem, e talvez, de fato existam, duas realidades paralelas. E, no fim do dia, as provas irão avaliar da mesma forma.

Pensei comigo mesma: talvez eu devesse investir na carreira acadêmica e na pesquisa, afinal, pesquisa de universidade pública DEVE trazer retorno para a sociedade e, assim, aos poucos transformá-la. A princípio, me parece uma ideia bonita, mas, novamente, utópica ao experienciar a realidade da pesquisa brasileira: Não tem bolsa, que no sentido de "bolsa" devo esclarecer aqui, não é doação nem assistência, é salário de pesquisador. Converso com outros pesquisadores e a sensação de desvalorização é sentimento comum entre nós. O "desincentivo" do governo e a frustração é grande, talvez eu deva aplicar meu currículo para estudar fora, talvez essa seja a melhor saída, literalmente. Se o Brasil não nos valoriza, talvez algum outro país o faça.

Apliquei então, para um mestrado no famoso país Estados Unidos da América, o famoso sonho americano. Submeti meu currículo à uma universidade que, na propaganda, me parece diversificada e acessível. "Aprovada", dizia o e-mail, o próximo passo agora é provar que tem o valor monetário referente a uma casa na sua conta bancária para que autorizemos sua vinda. Nem precisei pensar duas vezes. Não tenho. Mas calma, é sempre possível se candidatar à uma bolsa, não é mesmo? Me candidato e a mim é concedida a tão sonhada bolsa para estudar no exterior, como eles mesmos nomearam: "amigo scholarship" para latinos. Faço os cálculos, infelizmente, ainda não deu, o valor referente à casa diminuiu, mas continua o valor de uma casa.

Reflito e concretizo com o óbvio escancarado desde o começo deste monólogo e divagação: a vida seria tão mais fácil com dinheiro, com muito dele. Mas me conforto na ideia de acreditar que esse não é e não será o fim trágico da nossa educação. Eu, juntamente com os educadores, pesquisadores, ativistas etc, seguimos sonhando e lutando, porque, de fato, a esperança nem mesmo este sistema corrupto e abrupto nos tira.