Seções
Colunas
18/Set/2021 - 21:11:24
A solidariedade e a empatia para ontem
RedaçãoMARIA CAROLINA GERVÃSIO ANGELINI DE MARTINI
Não é de hoje que temos a informação sobre a não concessão de direitos em locais como o Afeganistão. Há 20 anos atrás, o território foi tomado pelo Talibã, um grupo extremista religioso, que impedia as mulheres de trabalhar, de estudar, de sair de casa da forma que desejassem (havia necessidade de usarem uma burca que apenas deixassem os olhos de fora) e também de estarem desacompanhadas por homens, que levava indivíduos a açoites e execuções, que escolhia qual mulher queria casar, sem qualquer consentimento das partes e que praticava atos considerados terroristas.
No entanto, em 2001, a fim de dar uma resposta ao atentado do dia 11/09 às torres gêmeas, os EUA passaram a procurar quem foi o mandante do ato, sendo certo que Bin Laden assumiu a culpa e havia informações de que ele estava no Afeganistão, motivo pelo qual o país enviou suas tropas para lá e ocupou o território em comento.
Essa ocupação durou 20 anos e, nesse tempo, há relatos de pessoas que tiveram seus direitos humanos violados, incluindo práticas de violência, e conflitos armados ainda persistiam. Porém, desde o governo Obama houve um diálogo para se retirar as tropas estadunidenses e a OTAN, o que foi assinado por Trump e, em agosto de 2021, Biden cumpriu com o convencionado. Com isso, presenciamos uma série de acontecimentos terríveis, como pessoas tentando escapar do Afeganistão segurando em partes do avião, mães entregando seus filhos para soldados norte-americanos, a fim de que tenham perspectiva de vida, mulheres se manifestando pelos seus direitos, tiros no aeroporto, ataque de outro grupo terrorista no aeroporto, avião decolando com 600 pessoas e etc.
O medo passou a assolar aquelas pessoas, principalmente as mulheres que temem reviver ou passar a viver o que no passado ocorria, ou seja, que tem medo de ver seus direitos retroagindo. Nesse sentido, há notícias de que imagens que continham mulheres maquiadas e estampadas nas ruas foram pintadas e retiradas, bem como de que uma mulher que trabalhava na televisão e que, com a tomada pelo talibã, não pode mais apresentar o programa, além da questão do acesso à universidade.
Inúmeras situações tristes e de agonia passaram a ser lançadas na mídia e a questão que fica é: se temos um sistema que tem os direitos humanos como base, como isto pode acontecer?
Direitos Humanos são os que nos permitem simplesmente viver. São os direitos necessários para nossa sobrevivência, como liberdade, integridade física e psíquica, meio ambiente e etc. que, num sistema internacional, são alocados como a grande base, daí a nomenclatura Direito internacional dos Direitos Humanos. E, nessa perspectiva, são os que simplesmente devem prevalecer independentemente de vontade de países, motivo pelo qual se pode dizer que encontra no objetivismo o seu fundamento.
Acontece que nem sempre há uma harmonia entre o que a norma prescreve e o que acontece na realidade. Por vezes a norma, seja ela positivada ou consuetudinária ou um princípio, traz a perspectiva daquilo que seria o ideal. Entretanto, conforme dito, nem sempre ela encontra correspondência nas relações, a exemplo do caso aqui comentado, haja vista que, ainda que se fale em proteção dos direitos humanos e num viés de solidariedade, temos realidades que não prezam por isto. Há, assim, um cenário de uma norma que deveria produzir efeitos, mas que, por conta da situação concreta, não consegue.
Talvez a necessidade da prática de empatia e de solidariedade se tornem ainda mais desejáveis. O que é visto como um ideal de mundo pode começar por nós, indivíduos, que, a cada dia respeitamos e entendemos o outro como um ser humano e sujeito de direitos. Essa busca pode ser capaz de mudar cenários como os que hoje presenciamos, não havendo espaço para violação do direito do outro, para violência, para tortura, para o ódio. A perspectiva de uma solidariedade tão imprescindível entre as nações pode começar conosco, pessoas que as povoamos, em pequenos atos com aqueles que estão ao nosso redor.
Quanto a questão do Afeganistão, receber e reconhecer os imigrantes e refugiados que, eventualmente, aqui se encontrarem, como um sujeito de direitos e não como um estranho, não apenas faz valer a Lei de Migração e a nossa Constituição, como também pode ser mais um passo nesse caminhar pela solidariedade e empatia mundial.
Maria Carolina Gervásio Angelini de Martini, professora de Direito e Doutoranda em Educação