São José do Rio Pardo, ,

04/Dez/2021 - 08:02:15

Essa estranha tendência brasileira

Maria Olívia Garcia




Não há nada sobre as tendências do brasileiro que já não tenha sido abordado por grandes escritores deste país, principalmente por aqueles do início do século XX. �? um destes que retomo hoje, cuja visão crítica da nossa república é atualíssima: Lima Barreto.
No divertido "Coisas do Reino do Jambom", há uma crônica - "Seria o suco" - que aborda uma tendência nacional aflorada nesta semana: a propensão para a tirania e para o despotismo, que deveria ser, conforme esse escritor, "motivo de meditação".
Talvez - argumenta ele - essa tendência tenha raízes "no cacique onipotente da taba indígena ou no feitor de fazenda em cujo eito gemia e suava a escravaria negra". Mas pode ser que as origens também sejam outras; o que importa nisso tudo é que "não se dá a qualquer brasileiro um bocadinho de autoridade sem que logo ele não desande num tirano"!
O próprio Lima Barreto afirma já haver sentido as manifestações dessa tendência nacional quando, ainda "menino no colégio", era às vezes "escalado a tomar conta da classe", o que lhe fazia sentir um "exagero de sentimento de autoridade", levando-o a brigar com "quase o colégio inteiro".  "Por dá cá aquela palha, admoestava o colega, punha-o de castigo ou dava parte ao professor".
Como percebeu logo o perigo, decidiu mudar de atitude: "de déspota de calças curtas", passou a ser "endiabrado com as mesmas calças", porque teve medo de ficar isolado. Como ganhou fama, não mais lhe foi dado "autoridade sobre ninguém", não podendo, assim, exercer o seu "pendor para a tirania". Conforme afirma, curou-se a tempo "da doença dos paxás", no entanto muitos compatriotas nunca fizeram como ele, pois "é geral a tendência dos nossos homens para a ação violenta ou despótica, legal ou ilegal".
Sempre que aparecem "uns cândidos cidadãos" que se dizem anarquistas, o governo que até então os desprezava, "põe-se cheio de sustos, de terrores noturnos e desanda a prender, a espancar, a deportar ilegalmente todo o sujeito malvestido que se atreva, em um humilde botequim, a proferir esta velha sentença, por demais cediça: quem furta um pão, é ladrão, quem rouba um milhão, é Napoleão"!
Nesse antigo provérbio, veem os governantes "todo um corpo de doutrina que prega a destruição do Estado, o saque aos bancos, o emprego da dinamite, etc., etc." Se além de anarquista o sujeito possuir um "nome terminado em "ki" ou em "off", estará "irremediavelmente perdido", terá que se exilar em outro país.
Por isso Barreto propõe que o regime político do Brasil fosse constituído por uma "federação de malocas, tendo cada uma à sua testa chefes com a autoridade discricionária" e que fossem queimadas "todas as leis, códigos, constituições e ordenações. Seria o suco da perfeição político-administrativa de um país".
Assistindo aos jornais da televisão somos obrigados a concordar com esse escritor!
 


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