São José do Rio Pardo, ,

18/Dez/2021 - 23:25:37

Futebol feminino: não falta talento, falta investimento

Redação

JÚLIA ROCHA




Não é novidade que o futebol faz parte da vida da maioria dos brasileiros (as). ? certo que esse fato não é fruto do acaso. A partir do século XX, esse esporte fez parte da construção da identidade nacional do Brasil. De acordo com o historiador inglês Hobsbawm, o futebol foi capaz de estimular sentimentos nacionalistas, uma vez que "a imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze pessoas com nome" (1990). Entretanto, o estudioso destaca que esse despertar foi designado só para homens. No Brasil, não foi diferente, e mais, as mulheres foram proibidas de praticarem a modalidade.

? sob esses parâmetros que a ditadura varguista, nas décadas de 30 e 40, concedeu ao futebol um significado governamental. Naquele contexto, o esporte caracterizou-se como um instrumento de união entre Estado, pátria, nação e povo. O presidente, por exemplo, anunciou a adoção do salário mínimo em 1940 e a criação das leis trabalhistas em 1943 no Estádio de São Januário. Em contrapartida, por meio do Decreto-lei 3.199 de 14 de abril de 1941, Vargas proibiu que as mulheres praticassem "desportos incompatíveis com as condições de sua natureza".

Dessa forma, o futebol feminino foi colocado como danoso à saúde da mulher. Acreditava-se que a pratica desse esporte seria prejudicial ao sistema reprodutor da mulher em razão dos contatos físicos durante o jogo. A proibição estendeu-se até o ano de 1979, contudo, suas consequências perduram até os dias atuais. Vale lembrar que nesse espaço de tempo a seleção masculina do Brasil já havia vencido três títulos mundiais. Assim sendo, a "ideia de natureza feminina", que esteve presente na legislação e nas mídias, não passa de uma construção social e está longe de qualquer conhecimento científico de natureza biológica.

Não é novidade também que o investimento feito por clubes femininos não paga, em muitos casos, o salário de um só jogador. A desigualdade de gênero no futebol é justificada pela falta de interesse do público na modalidade feminina. No entanto, sabemos que isso não é totalmente uma realidade, tendo em vista que a Copa do Mundo Feminina realizada em 2019 contou com a audiência de 1,12 bilhões de pessoas, segundo a Fifa. Desse modo, é necessário compreender que a crença de que homens são superiores quando o assunto é futebol está ligada à proibição referida acima, pois foi ela, em certa medida, a responsável pela naturalização e legitimação da ideia de que mulher não gosta de futebol e não tem talento para jogá-lo. 

O futebol feminino cresce no Brasil e, por consequência, algumas conquistas foram alcançadas por aquelas que lutam por reconhecimento. Como exemplo, tem-se a regulamentação feita pela CBF em 2019 que obrigou os clubes a terem um time profissional e categorias de base na modalidade feminina, caso contrário, não podem participar de campeonatos como a Copa Libertadores. O Corinthians é uma amostra dessa condição. Esse ano, o clube venceu a tríplice coroa (Campeonato Paulista, Brasileiro e Libertadores) e reuniu em torno de 30 mil torcedores na Neo Química Arena que foram prestigiar as mulheres em campo.

Em suma, é importante que se compreenda a discrepância entre homens e mulheres no futebol como uma herança histórica. Enquanto o Campeonato Brasileiro de futebol masculino acontece no Brasil há 50 anos, o feminino foi estruturado a partir de 2013 e as categorias de base foram profissionalizadas há menos de cinco anos, ou seja, é muito tempo sem investimento, sem estrutura e sem o mínimo de atenção para se desenvolver.  Desse modo, é necessário romper com essa lógica e proporcionar às mulheres salários justos, respeito e reconhecimento para que possam desenvolver seu trabalho com dignidade.

        

HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.


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